Relatora vota contra uso do nome social por travestis e transexuais na administração pública de Limeira
Vereadora Bruna Magalhães (PRTB), relatora do projeto na Comissão de Direitos Humanos, alegou “inviabilidade prática de implementação da medida”; CCJR reconheceu constitucionalidade da matéria

Um projeto de lei que assegura às travestis, mulheres transexuais e homens trans o direito à escolha de utilização do nome social nos atos e procedimentos da administração pública recebeu parecer contrário da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara de Limeira.
A proposta da vereadora Isabelly Carvalho (PT) foi rejeitada pela relatora Bruna Magalhães (PRTB) no último colegiado antes do projeto ficar apto para ser apreciado em plenário pelos demais parlamentares. Seu voto foi acompanhado pelo outro membro da CDH, Carlinhos do Grotta (PL). A autora do projeto é presidente da comissão e apresentou um voto apartado, com parecer favorável à própria proposta.
Apesar do voto contrário, a matéria foi apreciada anteriormente pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) e recebeu parecer legal e constitucional (leia mais abaixo). A CCJR é a única comissão com prerrogativa de arquivar matérias com parecer contrário do relator quando acatado pela maioria dos membros, barrando assim seu prosseguimento.
O projeto
Nome social é como travestis e transexuais são reconhecidos, identificados e denominados na sociedade. Pela proposta, poderão a qualquer tempo requerer essa inclusão nos registros dos sistemas de informação, cadastros, fichas, requerimentos, formulários, prontuários e similares na administração pública direta (prefeitura e câmara) e indireta (autarquias como o Centro de Promoção Social, por exemplo).
O nome social deverá constar em destaque em todos os registros, fazendo-se acompanhar do nome civil que será utilizado apenas para fins internos administrativos quando necessário. O projeto versa ainda sobre os serviços funerários do município, que deverão garantir, em todos os seus registros, o nome social quando travestis e transexuais forem sepultados, inclusive nas respectivas lápides. Para tal, bastaria a apresentação requerimento por qualquer membro da família da pessoa falecida.
No início de 2024, Isabelly apresentou projeto de igual teor, mas acabou sendo arquivado após ficar parado por nove meses na Comissão de Orçamento, sob relatoria de Sidney Pascotto (PRTB), que não emitiu parecer e protelou sua tramitação. Vale lembrar que Pascotto é o vereador titular da cadeira que Bruna ocupa como suplente, após ser nomeado secretário municipal.
Contrária
Em seu voto de apenas duas páginas rejeitando a proposta, Bruna Magalhães diz que, embora louvável a iniciativa e encontrar amparo jurídico, após visitas realizadas a diversos órgãos da administração municipal, constatou a inviabilidade prática de implementação da medida.
“Entre os principais obstáculos verificados, destacam-se: ausência de sistemas de informação preparados para registrar o nome social; falta de capacitação dos servidores para aplicação adequada da norma; integração limitada entre os sistemas municipais, estaduais e federais; inexistência de previsão orçamentária para implementação e divulgação da medida”.
Além disso, a parlamentar elenca experiências semelhantes em outros municípios para justificar seu voto, alegando que cidades como Cascavel (PR) e Barretos (SP) tiveram lei aprovadas, mas com efetiva paralisação na implementação por falta de regulamentação posterior.
“Esses casos demonstram que a aprovação legislativa, embora necessária, não é suficiente: a efetividade da política pública exige um envolvimento direto e técnico do Poder Executivo. Assim sendo, sou contrária diante da realidade observada no município e das barreiras operacionais detectadas, por entender que, embora juridicamente viável, a proposta é, neste momento, de aplicação impraticável na estrutura da administração pública municipal”.
Legalidade
Dois pareceres foram emitidos antes da análise da relatora: um da CCJR e outro da Consultoria Técnica Especializada do legislativo limeirense. Citando Princípios de Yogyakarta na comissão que analisou a constitucionalidade do projeto de Isabelly, o procurador legislativo José Carlos Evangelista aponta ao longo de 16 páginas que é indiscutível o processo jurídico-político de reconhecimento e concretização de tais direitos, que somente será possível a partir de políticas públicas que levem em conta as peculiaridades de cada comunidade.
“Entendemos que a propositura não viola qualquer regra ou princípio previsto na Constituição Federal. Muito pelo contrário, a presente propositura, no entendimento dessa Procuradoria Legislativa, contribui de modo significativo para o adensamento de disposições constitucionais voltadas para combate à violência e à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, bem como, assegura aos membros da comunidade LGBTQI+ um instrumento importante para o livre desenvolvimento de sua personalidade.
Em assim sendo, na opinião desta Procuradoria Legislativa, em seus aspectos substanciais, nada há em relação ao projeto de lei que impeça sua regular tramitação perante o presente processo legislativo. Opino pela constitucionalidade e pela legalidade do projeto de lei nº 115/25, não encontrando qualquer vício referente à competência municipal para legislar sobre a matéria”.
Cidadania
Já a consultora técnica em Ciências Sociais e Gestão Pública, Amanda Marques de Oliveira, lembra que apesar da discussão em torno da defesa de direitos da população LGBTQIA+ ter um crescimento nas últimas décadas em todo o mundo, a efetivação dos direitos dessa população ainda é um desafio a ser enfrentado, se tratando de uma população extremamente vulnerável à violação de direitos.
“A requalificação civil – que é quando a pessoa altera nome e gênero na certidão de nascimento e, portanto, em todos os outros documentos – passou a ser feita administrativamente em cartório de registro de pessoas naturais desde 2018, sem a necessidade de ação judicial. Contudo, especialistas e ativistas na temática citam a dificuldade em ver tais políticas serem aplicadas de fato, por exemplo, a dificuldade ainda encontrada em muitos cartórios para realizar a alteração do nome nos documentos”.
Citando a intenção do projeto em atuar na promoção do exercício da cidadania e mencionando uma trajetória histórica de negação de direitos que marca a sociedade brasileira e, principalmente, em relação à população LGBTQIA+, a consultora reforça que o projeto se insere na esteira de outras legislações de semelhante teor em outras esferas da federação.
“O Estado de São Paulo já conta com legislação específica que assegura o direito das pessoas travestis e transexuais de serem tratadas pelo nome social em todos os órgãos públicos da administração direta e indireta do Estado desde 2010. Na esfera federal, o Decreto nº 8.727/2016 tem teor semelhante, assegurando o direito ao uso do nome social no âmbito da administração pública federal”.
Tramitação
Apesar do parecer contrário de Bruna, o projeto tramita normalmente e está pronto para ser incluído na pauta de votação. Para isso, é preciso que o presidente Everton Ferreira (PSD) atenda ao pedido da autora da proposta para levá-lo à Ordem do Dia. Caso seja aprovado, seguirá para sanção ou veto do prefeito Murilo Félix (Podemos), ficando passível ainda de regulamentação via decreto municipal.