Fundo de enfrentamento a violência contra a mulher de Limeira não recebeu recursos em sete anos
Mesmo sem estruturação desde sua criação, Câmara analisa alteração em sua nomenclatura; desde 2023, foram repassados R$ 227 milhões por transferências do Fundo Nacional de Segurança a fundos municipais e estaduais

No Agosto Lilás, mês marcado para conscientização e enfrentamento à violência contra a mulher, Limeira tem um importante mecanismo nessa política de combate correndo o risco de deixar de existir - mesmo que nunca tenha sido colocada em prática. Criado em novembro de 2018, o Fundo Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher de Limeira, destinado a financiar as ações das políticas públicas de combate à violência e atendimento às mulheres em situação de violência, segue sem operação na cidade.
De autoria da ex-vereadora Erika Tank (PL), a lei estabelecia que o fundo seria instrumento essencial à execução das políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher no âmbito municipal, junto com o Conselho da Condição Feminina e a Rede Elza Tank de Atendimento Integrado à Mulher em Situação de Violência. Porém, não houve aporte de recursos para que pudesse ter eficácia, mesmo com lei e decreto em vigor.
A informação foi obtida pela reportagem do Cidadania em Ação via Lei de Acesso à Informação (LAI), protocolada em julho deste ano. Em resposta, o Centro de Promoção Social (Ceprosom) alegou que a gestão do fundo é de competência da Secretaria de Segurança Pública, cabendo a ela, inclusive, a definição dos critérios para aplicação dos recursos. Na sequência, a pasta encaminhou a seguinte resposta, assinada pelo ainda secretário-adjunto, Márcio Barhun (exonerado do cargo no último dia 7).
“Informo que a lei em questão foi regulamentada em 2019 e o Fundo Municipal de Enfrentamento à Violência contra a Mulher encontra-se em fase de implementação por esta secretaria. Em breve, informações adicionais serão divulgadas à população”.
O decreto em questão foi publicado pelo ex-prefeito Mario Botion (PSD) em 2019 e autorizava a Secretaria Municipal de Fazenda a abrir conta bancária específica, em instituição financeira oficial para as receitas do fundo. Já à Secretaria de Segurança Pública cabia também a prestação de contas anualmente quanto à utilização dos recursos.
Fontes de receita
Os recursos seriam captados mediante convênios, termos de cooperação ou contratos, de origem nacional ou internacional, celebrados com a finalidade de destinar aporte financeiro ao desenvolvimento de ações.
Seriam fontes também as contribuições, transferências, subvenções, auxílios ou doações do poder público e do setor privado, verbas consignadas para esse fim e recursos repassados não só pelos governos federal ou estadual, mas também por organizações governamentais ou não governamentais, independente de origem nacional ou estrangeira.
Esses recursos seriam aplicados em implantação, reforma, manutenção, ampliação e aprimoramento dos serviços e equipamentos existentes na cidade para essa finalidade de combate à violência de gênero, além da formação, aperfeiçoamento e especialização dos serviços, campanhas e programas de formação educacional e cultural. A assistência jurídica às mulheres em situação de violência também poderia ser custeada pelo fundo.
Sem gestão
Desde 2022, uma lei federal destina 5% do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) exclusivamente ao enfrentamento da violência contra a mulher. De autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), a norma garante o financiamento de ações que envolvem casas-abrigos, delegacias e serviços de saúde especializados no atendimento à mulher em situação de violência.
A lei acrescentou um critério específico para que os municípios recebam recursos do FNSP para esse fim: a implementação de um plano municipal de combate à violência contra a mulher. A lei de Limeira já estava sancionada e regulamentada nesse período e ainda assim não obteve recursos nesse sentido até os dias atuais, mesmo com a autora da lei municipal ocupando o cargo de vice-prefeita entre 2021 e 2024.
Cabe ressaltar que nos últimos cinco anos, o FNSP destinou cerca de R$ 500 milhões ao enfrentamento a esse tipo de crime no Brasil. Em junho deste ano, uma audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados teve a participação da diretora do fundo nacional, Camila Pintarelli, que explicou que desde o início de 2023 foram repassados, por transferências fundo a fundo, R$ 227 milhões para os estados e municípios usarem no combate à violência contra a mulher.
Somente este ano, os recursos repassados nessa modalidade somam mais de R$116 milhões. Por exemplo: esses recursos foram responsáveis por custear a doação de 327 veículos aos estados e aos municípios, no valor total de R$42 milhões, e que atuam em conjunto com as Delegacias de Atendimento à Mulher. As patrulhas oferecem acolhimento e proteção, com visitas domiciliares, patrulhamento preventivo e monitoramento do cumprimento de medidas protetivas.
A diretora do FNSP lembrou na audiência que o fundo nacional também gerencia a maior plataforma de compras públicas em segurança pública do Brasil, o ComprasSusp, sendo mais de R$ 8 bilhões em atas de registro de preços, as quais também contemplam kits de equipamentos para o enfrentamento à violência contra a mulher.
Modificação no nome
Mesmo com as fontes disponíveis citadas comprovarem a necessidade de se manter um fundo específico para o enfrentamento à violência contra a mulher, os vereadores Costa Jr. (Podemos), Carlinhos do Grotta e Felipe Penedo (ambos do PL), membros da Comissão de Segurança Pública da Câmara de Limeira, protocolaram no início de julho um projeto de lei modificando a nomenclatura do fundo municipal.
Agora, os parlamentares querem que o fundo tenha a denominação de Fundo Municipal de Apoio à Mulher em Situação de Violência. Além dessa alteração, o colegiado incluiu “plataformas digitais de arrecadação” como fonte de receita. Segundo Costa Jr., autor principal do projeto, a modificação foi discutida com a ex-vice-prefeita e visa modernizar e ampliar os instrumentos legais de apoio às políticas públicas voltadas à proteção das mulheres, assegurando maior eficácia e transparência na aplicação dos recursos do fundo (mesmo que não tenha havido aporte financeiro desde sua criação).
Caso essa alteração no nome do fundo municipal seja aprovada, poderá dificultar a obtenção dos recursos citados nesta matéria e que são destinados exclusivamente a fundos de enfrentamento. Um exemplo disso é um projeto de lei que tramita desde o ano passado na Câmara dos Deputados, de autoria da deputada Daniela do Waguinho (União/RJ), que permite que o dinheiro do FNSP seja usado para criar e fortalecer os órgãos que protegem os direitos das mulheres e combatem a violência contra elas, como fundos municipais.
Além de alterar a citada lei de Renata Abreu que determina o mínimo de 5% dos recursos do FNSP ao enfrentamento da violência contra a mulher, o texto da parlamentar carioca determina planos de metas para o enfrentamento integrado, que deverão conter a criação ou indicação de órgão responsável pela defesa e promoção de direitos e enfrentamento à violência contra a mulher.
Secretaria estadual
Em julho do ano passado, foi anunciado pelo Governo Federal que as secretárias estaduais de Mulheres iriam compor um comitê nacional voltado à criação de políticas públicas para o enfrentamento à violência contra as mulheres, por meio da execução dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Segundo informações apresentadas na reunião, o fundo destina, necessariamente, 10% do valor ao enfrentamento à violência contra as mulheres após gestão com o Ministério da Justiça e essa porcentagem é referente aos repasses Fundo a Fundo, que são transferidos aos entes federados de forma direta e obrigatória.
Em São Paulo, a deputada estadual Valéria Bolsonaro (PL) foi nomeada em 2024 para comandar a secretaria de Políticas para a Mulher de São Paulo.