ECA completa 35 anos com avanços e desafios que marcam a comemoração
Instituído em 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente é marco da proteção integral e cidadania plena

“Você conhece os Conselhos Tutelares? E os Conselhos de Direitos de Crianças e Adolescentes? Essas instituições foram criadas a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, hoje, estão em todos os municípios brasileiros, acompanhando as políticas para as infâncias e garantindo que nenhuma criança tenha o seu direito violado”, é o que explica a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, sobre uma das mais importantes legislações brasileiras, que completa 35 anos neste domingo (13): o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei nº 8.069/1990.
Há mais de três décadas, o texto atua como marco legal na consolidação dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, mas ainda exige aprimoramento para os desafios contemporâneos. “Temos muito o que celebrar, e muito a fazer”, declara Macaé.
O ECA, inspirado na Convenção sobre os Direitos da Criança pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), adotada em 1989, é considerado por especialistas como um instrumento jurídico avançado e exemplar para outros países. O Brasil foi o primeiro Estado a adequar a legislação interna aos princípios consagrados pela Convenção.
Constituição de 88
Antes da instituição do ECA no Brasil, a infância era tratada de forma desigual e excludente, já que crianças e adolescentes – principalmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade – não eram considerados sujeitos de direitos. O Estado entendia que não havia diferença entre criança e adolescente, e era comum vê-los trabalhando ao invés de estudarem ou brincarem.
A luta por mudanças cresceu nos anos 1980, impulsionada por movimentos sociais, organizações de defesa da infância e a redemocratização do país. Em 1985, mais de 20 mil crianças participaram da histórica “Ciranda da Constituinte”, pressionando o Congresso Nacional a aprovar a “Emenda Criança” – responsável pela inclusão dos art. 227 e 228 na Constituição de 1988 – que garantiu os direitos fundamentais da infância e incluiu a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado pelo bem-estar deles.
Criado na esteira da Constituição de 88, o ECA inaugurou um caminho do cuidado, do respeito e da escuta das várias infâncias e adolescências do país, rompendo com visões assistencialistas e punitivas para reconhecer as crianças e os adolescentes como cidadãos brasileiros de plenos direitos.
Avanços
Ao longo dos anos, o Estatuto foi responsável por profundas transformações no ordenamento jurídico e nas políticas públicas brasileiras. Na própria criação do Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.080/1990), esteve prevista a adequação dos serviços de saúde aos direitos previstos no ECA, além da atenção à identificação de maus-tratos, negligência e violência sexual de crianças e adolescentes. No mesmo ano, foi promulgada a Convenção sobre os Direitos da Criança (Decreto nº 99.710/1990).
Um dos grandes avanços promovidos pela ECA foi a introdução à obrigatoriedade da criação dos Conselhos Tutelares – pela Lei nº 10.406/2003 –, pelos municípios, para cumprir e fiscalizar os direitos das crianças e adolescentes previstos pelo ECA. Em 35 anos, foram estabelecidos no país mais de 6.100 Conselhos, distribuídos por seus 5.570 municípios. Isso representa mais de 30.000 conselheiros tutelares em atuação por todo o Brasil.
Para a secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Pilar Lacerda, a criação dos Conselhos Tutelares, prevista no ECA, foi um marco na descentralização da proteção de direitos. “Os conselhos passaram a ser um espaço de escuta ativa e diálogo permanente entre a sociedade, família e o Estado. Eles desempenham um papel fundamental na efetivação das políticas públicas e na vigilância cotidiana dos direitos de crianças e adolescentes nos territórios”, avaliou.
Desde então, o Estatuto contribuiu para que muitas mudanças acontecessem, como: a criação do Sistema de Garantia de Direitos (SGD); a expansão de políticas sociais como o Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), ações integradas no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e no Sistema Único de Saúde (SUS); a aprovação de leis complementares como o Plano Nacional pela Primeira Infância (2016), Lei da Escuta Protegida (Lei nº 13.431/2017), Lei Henry Borel (Lei nº 14.344/2022) e a Lei da Palmada (Lei nº 13.010/2014); avanços na legislação sobre trabalho infantil, educação, convivência familiar, igualdade racial, inclusão de crianças com deficiência e proteção digital, além da participação ativa de crianças e adolescentes em conselhos, conferências e organismos nacionais e internacionais.
O Estatuto também gerou impacto internacional, sendo citado como referência em tratados, declarações e convenções sobre direitos da infância. Nos últimos anos, ganhou destaque nas agendas climáticas, como na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28), em 2023. O Brasil reconheceu, pela primeira vez em sua política ambiental – Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC 2023) –, a relação entre os direitos da criança e as mudanças climáticas.
Futuro
Em 2025, ao completar 35 anos, o ECA reafirma sua potência como ferramenta de transformação social e construção para um Brasil mais justo. A memória das mobilizações que originaram a lei serve de inspiração para fortalecer os próximos passos diante dos desafios contemporâneos e, ainda, para a construção de novas conquistas sob a perspectiva de que um mundo melhor para as crianças e adolescentes é um mundo melhor para todas as pessoas.